sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

... Palavras, apenas? ...



Por diversas vezes talvez não notemos, ou na verdade, acabamos por não dar a devida importância para o peso que as palavras possuem. Como diria aquele velho ditado Chinês que com certeza, todos nós já ouvimos na vida: "Há apenas três coisas que nesta vida, não voltam atrás. A pedra atirada, a flecha lançada e a palavra proferida".

As palavras são permanentes e, na realidade, possuem um poder atemporal. Sobrevivem ao tempo, ao espaço, ao frio, a chuva, ao calor, ao sol, aos dias, as semanas, aos meses e aos anos. Possuem em cada uma de suas letras, verdades, mentiras, desculpas, acusações, sentimentos, sarcasmo, ironia, piadas, tragédias, informações, ilusões fabricadas, falsidade, dentre muitas outras coisas. Quantos de nós, quantas vezes já não pensamos que teria sido melhor, ou menos dolorido se levássemos um tapa na cara, do que ouvirmos um "não" de algumas pessoas, ou um "não te quero", "eu desisto", "não vale a pena pra mim". Em quantos momentos um xingamento, uma ofensa, uma discussão, seriam consideravelmente menos dilacerantes e traumáticos se tivessem resumido-se apenas a tapas e chutes?! Em contrapartida, não há dinheiro ou qualquer tipo de compensação que possa pagar a alegria e realização de receber um "sim" de quem se ama, ouvir e dizer "eu te amo" quando o sentimento é verdadeiro e mútuo, gentilezas, elogios, carinho, afeto...


Contudo, apesar de todos os pesares deste poder que carregam, jamais podemos nos esquecer que as mesmas palavras que compõem as mais cruéis tragédias, são também as que escrevem a poesia da vida. Possuem a força para nos erguer a alturas que nem ao menos pensávamos que pudessem existir, como também para nos fazer despencar a abismos que jamais sonhamos. Porém, toda e qualquer palavra necessita de algum tipo de linguagem para que seja expressa e atinja assim, seus objetivos e fins pré-destinados e estipulados por intermédio de seu interlocutor, que por sua vez, assume e carrega sempre consigo essa sina, essa responsabilidade de significação da escrita, da fala, do gesto, do toque, e muitas vezes, até mesmo do silêncio proferido.


Interpretações, nuances, tons, intensidade, verdade, mentira, razão, lógica, coerência, fantasia, irracionalidade, loucura, insensatez. Tudo isso esta em minhas mãos agora, aliás, para ser mais exata, uma infinidade de possibilidades existem agora, guiadas pela ponta dos meus dedos enquanto tocam as letras deste teclado, formando as palavras, frases e esse texto como um todo. O poder contido na linguagem não olha para cor, credo ou classe social. Não preocupa-se com níveis intelectuais, culturais, tampouco com o quão rebuscado é ou não cada vocabulário. Ele disponibiliza-se, oferece-se e pertence a todos aqueles que se aventuram a utilizar-se dele para fins ideais, ou não. Aos politicamente corretos, e aos mais desprovidos de moralismo. Aos polidos e aos desbocados.

Sendo assim, livre de preconceitos, as palavras desconhecem limites ou barreiras, ultrapassando em sua maior parte os limites físicos do ser, e adentrando em nossas almas, mentes e corações. Toda essa liberdade transitória que possui, acaba por trazer consigo a capacidade de tornar-se muito mais do que tinta de caneta em um papel, ou meros discursos ao vento. Mas, a capacidade de expressão, o sentimento por trás da tinta, o pensamento por trás de mentes confusas, as ideologias subliminares ou explícitas, o medo ou a coragem de abrir a boca e dizer o que se esconde lá dentro, lá onde ninguém acessa, muitas vezes nem nós mesmos.

É nesse momento, quando nem nossos travesseiros são ouvintes suficientemente bons para algumas verdades que queremos esquecer, ou algumas mentiras em que gostaríamos de acreditar, que um papel e uma caneta empossam-se de toda essa soberania e potência linguística, tornando-se o campo neutro de nossa alma; aqui, tudo passa a ser livre, permitido e de bom tom. Nada é demais, tampouco de menos. Não há necessidade da taxativa conceitual qualitativa das coisas, não se faz presente o bom ou ruim, certo ou errado, bonito ou feio.

Esse desprendimento habitante às palavras, hoje torna-se essencial e profundamente necessário para mim. Não consigo mais me conceber existindo e não escrevendo, pensando, criticando, filosofando, teorizando, me expressando, sendo isso interessante ou não para o resto do mundo. Acredito que me sinto como em certa vez, quando perguntaram a uma das principais influenciadoras tanto da minha escrita, quanto do meu gosto acentuado pela leitura, o porque ela escrevia, e então Clarice Lispector respondeu: Porque você bebe água?

sábado, 22 de outubro de 2011

... Estar Só ...



Estar só, não é apenas isolar-se de outras pessoas. Não é apenas não ter companhia para ir aquela festa, ou para comer pizza em uma noite de sábado chuvoso. Estar só é mais do que isso, é sentir-se invisível e ao mesmo tempo exposto, é sentir-se despido de tudo, nu, cru. Estar só vai muito além de uma condição quantitativa e até mesmo qualitativa. É consideravelmente indefinido por vocabulário, pois, a real compreensão de sua dimensão não envolve intelecto, tampouco expertise. Não envolve técnica ou teoria, apenas sentimento, poucas cores e fracos sabores. É, portanto, um estado de espírito que como diria Clarice Lispector, de fato, não se entende via inteligência, mas pela sensibilidade. Ou toca, ou não toca.

Olhar para o lado e ver que não tem ninguém caminhando de mãos dadas conosco, é uma realidade consideravelmente dura, e um tanto quanto cruel. Porém, o que é, de fato, a solidão, se não o espelho de nossa própria alma? Um encontro com nosso "eu" intimamente secreto, aquele que esconde alguns segredos até de si mesmo. Pois bem, a solidão, por si só, é existencialmente uma condição inerente à humanidade, afinal, podemos fazer parte de vários grupos, e exercer os mais diversos papéis sociais, como por exemplo, o de mãe, pai, irmão, irmã, filha, filho, marido, esposa, professor, médico, advogado, dentre outros, porém, nunca deixaremos de existir como seres únicos, individuais e sozinhos.

Apropriar-se dessa realidade não é tarefa fácil, muito pelo contrário. Acredito eu, que não haja nada mais complexo do que admitir sua própria solidão. Encarar o fato de que as pegadas que trilharão a jornada de sua vida serão apenas as duas que você possui, é angustiante, dolorido e altamente conflitante. Porém, paranóicos, hoje me ponho a pensar: não seria exatamente a interiorização dessas verdades, que nos fariam mais fortes? Que nos poupariam lágrimas, dores e sofrimento? Pois, vejam bem, quando não se espera muito, não se perde muito. Afinal, quando a expectativa é baixa, a decepção também não toma proporções que parecem te engolir viva.


Sentir-se só, estar, de fato, nessa condição, é pior do que estar sozinho. É um vazio que parece não acabar mais, uma escuridão que ao mesmo tempo que mostra-se densa, tensa e pegajosa na pele, você não toca, apenas sente, vive. Olho pela janela, observando esse vai e vem, essa correria desenfreada, essa desordem maluca de São Paulo, e sinto pulsando na pele a dor da solidão, na ponta da língua o amargo do abandono, o "estou indo embora" revirando meu estômago, me pressionando pra baixo, com força, com vontade. Eu não quero estar lá novamente, não tem muito tempo que sai desse poço, e sinceramente não desejo voltar para lá.

Me sinto anestesiada em alguns momentos. Por vezes esse tédio todo me consome, me tira o sono, a inspiração, a vontade. As dores me cansam, sejam elas físicas ou emocionais. Esse ócio todo, por mais contraditório que seja, me esgota. A imobilidade, a inércia que minha vida foi abruptamente submetida, pesa, grita, me suga. Não é tarefa fácil passar por isso sozinha, sem mão nenhuma pra segurar, sem voz nenhuma pra ouvir, abraço pra sentir, cafuné pra receber. Encarar tudo isso no espelho pela manhã anda doendo, sangrando, e machucando mais do que eu gostaria, se eu não puder dizer mais do que eu já posso suportar.

Acredito paranóico, que resumidamente, estar só, seja mesmo como disse Caio Fernando Abreu: "Esta coisa terrível de não ter ninguém para ouvir o meu grito. Esta coisa terrível de estar nesta ilha desde não sei quando. No começo eu esperava, que viesse alguém, um dia. Um avião, um navio, uma nave espacial. Não veio nada, não veio ninguém"

terça-feira, 26 de julho de 2011

... I'll Go Back to Black …



Quatorze de setembro de mil novecentos e oitenta e três; data exata em que nascia uma nova estrela para o mundo. Uma estrela não como qualquer outra existente por ai, mas com um brilho imensamente peculiar, próprio, pessoal. Cantora e compositora brilhantemente brilhante, entrou para o ramo musical em dois mil e três, e com Ela, trouxe filosofias, convicções, revolução, lamentações, concepções, pensamentos, e muita, muita, muita personalidade. Sem medo de cantar e expor seus fracassos, erros e glórias pessoais, Amy Winehouse conquistou não só multidões ou legiões de fãs, mas também seguidores fiéis a suas filosofias e a sua paixão. Arrebatou dentre milhares e milhões de pessoas, não apenas o gosto por seu trabalho, ou a identificação com suas verdades cantadas, mas o coração e a alma de alguns, assim como os dessa pessoa que vos escreve.

Amy não foi e nunca terá sido apenas mais um rostinho bonito e uma voz afinada na televisão. Digam o que quiser, critique o quanto lhes for confortável fazê-lo, joguem pedras, apontem dedos, tripudiem em cima do seu corpo conforme for conveniente a cada um dos abutres (né, Pitty?!) hipócritas que me leem ai do outro lado da telinha. Acusem, rotulem, recriminem. É o que muitos imbecis esvaziados de conteúdo sabem fazer de melhor, não é?! Afinal de contas, temos que dançar a louca ciranda imposta por essa sociedade moralmente imoral em que vivemos; seguir suas regras, modelos e padrões de conduta verdadeiramente mentirosos e hipócritas, para que assim, no fim da estrada possamos apontar dedos e deferir acusações contra quem não os segue, contra quem apenas vive, apenas é si mesmo, sem medo de se mostrar de verdade, sem medo de fazer o que lhe dá na telha de forma clara, nua e evidente a todos.

Coragem, sem dúvida é olhar nos olhos de outro, ou encarar-se frente ao espelho e dizer com todas as letras: “I told ya I was trouble, you know that I'm no good”. Coragem é ser apenas humano, e sim, errar. Muito. Afinal, é inerente a essa nossa raça cometer erros, equívocos, deslizes. Coragem é admitir esses erros, é viver com autenticidade, personalidade e autonomia. Muitos podem ler esse texto e encará-lo basicamente como uma apologia ao estilo de vida adotado por Amy, mas, prezados, não estou aqui para apoiar, tampouco condenar o estilo Winehouse de ser. Estou aqui colocando a disposição minha escrita a fim de despedir-me de um dos maiores ícones da nova geração musical de forma minimamente decente, de forma respeitosa, zelosa e digna dessa mulher que conquistou sim a minha admiração.


Em sua despedida feita pela mídia, as únicas frases que podemos ouvir são de conformismo, são de que Amy procurava por esse fim há muitos anos, e que na verdade essa realidade tardou a bater em sua porta. Muito se fala de suas bebedeiras, de seus “escândalos” públicos, suas internações, e a reabilitação que segundo muitos foi total e completamente fracassada. Ouvimos sobre a “maldição dos vinte e sete anos”, sobre destino traçado a derrota, e até mesmo opiniões de alguns com comentários do tipo: “Ué, mas, o que você esperava que fosse acontecer com a Amy? Que ela fosse encontrar Jesus um belo dia e virar freira? Claro que não, foi para o inferno, porque lá, afinal de contas é open bar”. É, paranoicos, como diria minha querida Pitty, abutres não faltam para tripudiar sob o corpo dela agora, afinal, rótulos, de fato, nunca lhe faltaram em vida e sem dúvida nenhuma, não seria em sua morte que lhe poupariam deles.

Sua vida foi intensa, sim, muito intensa. Ela errou? Não sou juíza para julgar ou estabelecer padrões de bom ou ruim, certo ou errado. Porém, gostaria muito que não tivesse trilhado alguns caminhos, adentrado em algumas matas escuras demais, e que ainda estivesse aqui, entre nós. Infelizmente, nem tudo o que queremos pode ser de fato realizado, e não julgo um milímetro de suas atitudes, fugas ou esquivas pessoais, pois, diferentemente de alguns, Amy sempre bancou sua própria maneira de viver, sempre se assumiu e mostrou-se como verdadeiramente era; sem esconder-se por trás de qualquer mentira montada para impressionar a mídia, ou para que fosse poupada de todas as duras críticas e palhaçadas pela qual foi submetida pela implacável perseguição do famoso The Sun, entre outros.

Independente de qualquer coisa, com certeza Amy, no fatídico dia vinte e três de julho de dois mil e onze, que ainda desperta tristeza, aquele aperto no peito e faz brotar lágrimas não apenas dos meus, mas dos olhos de muitas pessoas espalhadas pelo mundo “we only said goodbye with words” pois, jamais poderíamos cometer o sacrilégio de esquecer quem você foi por aqui, as verdades que jogou no ventilador, a autenticidade com que viveu sua história e a intensidade com que a expôs para o mundo, sem medo, receio, ou importância para o que diriam ou pensariam. Obrigada por ter sido essa pessoa maravilhosa que passou por aqui, e nos deixou um pouco do seu brilho, independente da dor que sua partida nos causa, a deliciosa e saudosa sensação de poder ter feito parte do mundo na mesma época que você, partilhado de seu sucesso e sua música, sem dúvida nenhuma é o maior consolo que você mesma poderia nos ter deixado.

Acredito que a pequena modificação na letra não lhe afetaria, e com certeza, expressa bem a sensação que nós, fãs que ainda sentiremos o gosto amargo de sua partida por muito tempo, carregamos no peito nesse momento: “She walks away, the sun goes down, she takes the day but I'm grown, and in your way, my deep shade, my tears dry on their own”.


We only said goodbye with words ... I'll Go Back to Black

terça-feira, 19 de julho de 2011

Falsidade Desmedida...



Palavras, promessas, juras, verdades, mentiras... Palavras doces e romanticas sussurradas ao pé do ouvido, sentimentos prometidos entre os lençóis, juras de amor e lealdade feitas a moda antiga, olho no olho. Tudo tão intimo, tão pessoal... Sincero? Verdadeiro? Teatral? Mentiroso? Será que há, de fato, como saber o que é falso e o que é real no nosso mundo subjetivo? O que é ilusão e o que é concreto? Dizem por aí que quando amamos, que quando estamos apaixonados, ficamos cegos para as mais nuas e cruas verdades expostas a nossa frente. Sem querer ser bíblica - pois, os que me conhecem sabem o quanto contrario as escrituras ditas sagradas - o amor, afinal, não é aquele que tudo espera, que tudo suporta, tudo tolera, e principalmente que tudo crê? Ora, logo, talvez não haja, de fato, cegueira nenhuma aos apaixonados, amados e amantes. Talvez, o que exista seja uma crença inabalável na capacidade e no potencial milagroso que vendem dessa poção mágica na qual o amor acabou por ser transformado através das telenovelas globais, e das grandes produçōes cinematográficas de Hollywood.

Chega a ser incrível o fato de que por mais que seja óbvio o quanto algumas pessoas não são boas para nós, invariavelmente esperamos estar enganados, e sempre que essa pessoa faz algo que mostre que ela não é boa, ignoramos. E sempre que faz algo minimamente bom, ela te reconquista, fazendo com que nos enganemos achando que ela é a pessoa certa para nós. Parece existir uma fé incostestável na capacidade do outro de mudar, de se transformar, que nos faz ignorar completamente os fatos, o real, o concreto e tudo o que vemos de errado naquela pessoa. Que faz, por vezes, até mesmo que nos culpemos pelos erros e falhas alheias, responsabilizando-nos pela falta de aplicação, dedicação e doação pessoal de outrem, a fim de fazer com que um relacionamento funcione, de certo. Quantas e quantas vezes, caros paranóicos, nós não nos auto anulamos, ignoramos e atropelamos nossos sentimentos em prol das vontades, desejos, preferências e caprichos das pessoas que amamos? Amigos, família, filhos, maridos, esposas... Quantas vezes o sacrifício valeu a pena? Quantas vezes um sorriso, um beijo, ou um abraço, tornaram doce o gosto do azedo proporcionado no momento em que nosso orgulho descia pela garganta? Enquanto queimava no estômago? Sem dúvida paranóico, inúmeras vezes. Porém, hoje me ponho a pensar... Sera que mesmo tudo isso, é capaz de perdoar e superar a dor da traição? Será isso tudo, capaz de suportar o sangue quente escorrendo lenta e dolorosamente após sermos apunhalados tão bruscamente pelas costas? 

 

Bom, como tudo na vida, o amor, carinho, afeto e a ternura, também podem sofrer mudanças e transformaçōes. Passam a ser reconhecidos como ódio por sua intensidade afetiva, raiva por sentir-se sangrar em virtude de sua própria culpa, sua própria cegueira diante dos fatos; nojo por sentir que partilhou, mesmo sem saber, de tanta sujeira, de tanto lixo, por saber que apertou muitas vezes a mão daquele rapaz, que abraçou e se lamentou tanto com aquela garota, aquela, justamente aquela com a qual o que você pensava que era seu, se foi. Sentir-se um completo estúpido por ter acreditado, escutado, compreendido, relevado, esperado, se doado, amado, lutado, defendido, sofrido e tantas outras coisas por aquela pessoa, aquela, que você pensou que fosse sua e de mais ninguém, aquela, que você pensou que fosse para sempre. Pois é, estimado paranóico, como diria a ilustre Cassia Eller, "o para sempre, sempre acaba", de fato!

De amor, sabemos que ninguém morre, mas e todos aqueles planos, sonhos, todo aquele fururo projetado? Isso sim falece, padece, morre. E é exatamente essa nossa dor, nosso luto. Mas e aí?! E ai, você sangra mais um pouco, chora mais um pouco, deprimi mais um pouco, intensifica os xingamentos em frente ao espelho, rasga as fotos, joga fora os presentes, atravessa a rua para a calçada oposta e mesmo assim sente seu estômago embrulhar de nojo quando acidentalmente encontra essa pessoa, perde a fome, o sono, a vontade, o tesão... Sente que esta ruindo, desmoronando, e que o único destino que lhe cabe é o fundo, o fundo do poço, o pé na lama, no lodo... Até que um dia, você acorda, e como se despertasse de um pesadelo, passa a reconstituir e reconstruir sua realidade. Percebe o quanto seu julgamento de valores estava invertido, falho, errado; percebe seu próprio valor, passa a não se reconhecer mais como a escória da humanidade, e se da conta de uma questão extremamente essencial: na verdade, não foi você o enganado, não é você o agente causador de todo o lixo pelo qual passou, não é você o culpado, o responsável!

Nesse momento, você passa a olhar no espelho e ver o que e quem você é de verdade, quanto você de fato vale, e passa a ter a dimensão de quão injusto foi consigo mesmo quando proferiu todas as auto-acusações e os auto-xingamentos em frente a esse mesmo espelho, a essa mesma face, a essa mesma pessoa. Sente que todo aquele ódio se foi, tanto por aquela pessoa, quanto por aquele passado e por aquela história como um todo. O luto se vai, a dor cessa, a ferida para de sangrar e você passa a se reencontrar, se redescobrir. E agora, apesar dos machucados e do período de latência e inercia ao qual sua vida foi abruptamente submetida, ou pior, no período em que ela lhe escorria por entre os dedos e naufragava no mar da auto-destruição, você sente-se mais forte, mais preparado, sábio, perceptivo, vacinado! Sente sua auto-estima e amor próprio voltando, a passos lentos, mas, já a caminho de si, de sua consciência.

Nesse momento, as vezes andamos só e trocamos alguns passos com a solidão, mas, no fim de tudo, você pode ver que na verdade, como diria Renato Russo, conseguiu seu equilíbrio, cortejando a tênue linha que nos separa da insanidade, enquanto todo aquele caos seguia, e sempre seguirá em frente com toda a calma do mundo.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Desilusões ...




Afinal, o que será que é a vida? Será que possui, de fato, uma definição palpável, narrável, tangível? Porventura há nela a possibilidade de mensuração? Será que vivemos tão somente com, por ou para a razão, o amor, o ódio? Ou a pergunta mais cabível aqui seria aquela, já antiga, feita pelo sambista: “ela é maravilha ou é sofrimento, ela é alegria ou lamento?”. Ou ainda, será que na verdade, o que de fato interessa-nos, seria não o que ela é, mas como perguntaria e como realmente perguntou-se durante toda a sua vida e obra o célebre Winnicott: “afinal, de que se trata a vida?”.

Pois bem, seria então a vida, por acaso, um grande conjunto de sonhos, ilusões, expectativas, decepções, frustrações e desilusões? Ora, quantas e quantas vezes já não ouvimos as frases: “Cai na real”, “Acorda para a realidade”, ou melhor, “Acorda para a vida!”? Seriam desta forma, nossos devaneios na verdade momentos de concreta irrealidade, loucura, de “não vida”, ou apenas sonhos que serviriam de combustível e alavanca motriz para a busca de determinado objetivo, sonho, e da tão almejada realização pessoal?

Hoje, após alguns acontecimentos em minha vida, me pego pensando nestas questões. Indagando-me algumas coisas, confrontando algumas verdades, encarando e perscrutando minha própria alma em frente ao espelho pela manhã. Em meio a esse processo ainda não alcancei brilhantes soluções, conclusões, tampouco explicações para grande parte – se não para todas – das questões as quais hoje me proponho a filosofar aqui com vocês, caros paranóicos.

Pois bem, acredito que a vida seja na verdade, uma imensa, incansável e irreparável busca por si mesmo. A busca pela essência de nosso eu, e pelo eu que há em nossa essência. Essência essa que por vezes é abafada, escondida e enterrada no porão da obscuridade que compõe nosso inconsciente, que por vezes perde-se em meio a loucura e complexidade que é nosso dinamismo psíquico, nossa verdade enterrada, nossos desejos primitivos lutando contra a repressão Superegóica que nos obriga a adequação comportamental contínua e constante, exigida pela sociedade, pela religião, costumes, tradições, culturas, família, e etc.

Nessa jornada em busca do resgate, ou até mesmo do próprio conhecimento de nosso eu, vivenciamos problemas, desencontros, desafetos, decepções e a desconstrução de muitos sonhos, mitos e fantasias; enfim, desilusões. Esses tropeços, dificuldades problemas e empecilhos no caminho, nos deixam marcas, memórias e traumas, nos implantando assim uma irreparável e incompreendida saudade de coisas que nem sequer sabemos ou conhecemos, e tampouco vivemos!

Esse caminho a ser percorrido, essa busca, a meta a ser alcançada e essa saudade desconhecida, trazem a esta já árdua e áspera jornada rumo ao conhecimento do interior de si mesmo, características muito peculiares a ela, sendo estas, representadas por principalmente duas palavras que assustam a maioria de nós: “dor e sofrimento”. É justamente em meio a esta busca pelo conhecimento e libertação de nós mesmos que nos perdemos e nos prendemos cada vez mais em nossa alma. Nossas auto defesas, nossos anseios, os medos, as angústias, as “caras feias” e os “sorrisos largos”, todos ali, nus, expostos, e exatamente para aquele que nunca deveria encará-los e muito menos desafiá-los; sim, paranóico, esse alguém somos nós mesmos. Somos feitos para escondermos-nos de nossa própria verdade, ensinados que mentir é feio e o papai do céu não gosta, enquanto passamos à vida camuflando as situações pela quais vivemos, omitindo de nós mesmos nossos sentimentos, nosso verdadeiro “eu”, nossas filosofias por vezes arraigadas em nós por uma herança familiar que perpetua por gerações e gerações a fio, tendo todos a herança de honrar suas crenças, supostas verdades e verdadeiras mentiras.

O momento de olhar-se no espelho, e ver seu próprio eu refletido em sua face, é um dos, se não o maior conflito que podemos ter com nós mesmos, com nossos pais, com nossa cultura, com nossa criação, com nossos temores, nossas mágoas que escondem profundas decepções, desilusões, frustrações. As palavras não ditas, o desabafo não feito, o xingamento guardado, a discussão “engolida”, o grito entalado na garganta, a negação, a afirmação, o sim, o não, a dúvida, a certeza. Contraditório demais, prezado Paranóico? Não, contraditório não, ambíguo sim, porém, é justamente essa capacidade de amar e odiar ao mesmo tempo, de querer e desprezar, de ter e abrir mão simultaneamente que nos diferencia dos outros animais. Nossa ambição, a benção que nos foi dada geneticamente a fim de nos livrar de uma mesmice intitulada de “ciclo da vida”, “nascer – crescer – reproduzir e morrer”, enfim, de toda essa pré-destinação de histórias de vida, desses fatalismos criados pelo homem moderno a fim de manipular um sistema social ridículo, para não dizer podre e fétido controlado por uma “entidade fantasma” que chamamos ainda de sociedade.

Muitos podem dizer que viver de ilusões é ruim, outros que a desilusão é algo que nos corroe, mata e aniquila em um processo que inicia-se de dentro para fora. Mas, será que se não nos iludirmos um pouquinho só, se não sonharmos um pouquinho só, conseguiríamos almejar sucesso profissional, pessoal, amoroso, dentre tantas outras coisas e situações? E se as malditas e dolorosas desilusões não existissem, será que teríamos mecanismos para poder aprender a como não cair mais? Será que conseguiríamos suportar as dificuldades impostas pela dureza da vida real? Logo, em suma, caros paranóicos, acredito que somos e compartilhamos uma série de Ilusões sonhadas e desilusões vividas.